O governo prepara o fim do monopólio da Petrobras no gás para reduzir o preço de
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Fonte: Folha de São Paulo
O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) será o epicentro do processo de queda do preço do gás anunciado pelos ministros Paulo Guedes (Economia) e Bento Albuquerque (Minas e Energia).
Diante das resistências internas da Petrobras, compete ao órgão de defesa da concorrência abrir a negociação com o estado para a venda de ativos ou a liberação de acesso à infra-estrutura de transporte do combustível.
A ação do Cade é parte de um movimento organizado em conjunto por vários setores do governo para tentar quebrar o monopólio da Petrobras e trazer a concorrência no setor, com o objetivo de promover no país um “choque de energia barata”, nas palavras de Guedes.
Os estudos iniciais indicam que a redução do preço pode adicionar à taxa de crescimento do país, quase um ponto percentual por ano e gera mais de 12 milhões de novos empregos nos próximos dez anos.
Um dos mentores da proposta, o economista Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas, estima-se que, ao incentivar a concorrência, é possível reduzir pela metade o preço do gás natural vendido no país, com impactos positivos na atividade industrial e na conta de luz.
“O que temos no mercado de gás no Brasil é um caso absurdamente clássico da sobreposição dos monopólios”, diz Langoni.
“A Petrobras praticamente controla a totalidade da oferta e continua controlando a infra-estrutura logística, principalmente os gasodutos. Do lado da distribuição, há monopólios também nos estados.”
A ideia é que, no prazo de dois meses, o Cade e a Petrobras apresentem um plano para a venda de ativos no segmento. Em troca, a empresa se livra de processos que apuram práticas anti-competitivas, e a discriminação na venda de gás.
As conversas iniciais já ocorreram e, a partir de agora, as duas partes devem evoluir para reuniões formais.
Em parceria com a ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis), a área técnica do Cade fará estudos para definir propostas de estímulo à concorrência.
O pacote na gravidez inclui, além disso, outros três pilares fundamentais: a revisão do modelo de tributação do setor, incentivar o uso do gás para a geração de energia e o novo marco jurídico para a distribuição, para apoiar a figura dos consumidores livres de gás (que podem negociar o produto sem a distribuidora).
O incentivo à concorrência pela oferta, no entanto, é visto como essencial para que os planos possam progredir.
Hoje em dia, as empresas privadas são donas de 25% do gás extraído no país—, em boa parte, nos campos, em parceria com a Petrobras. Sem acesso aos dutos, as parceiras da estatal se preferem vender sua parcela, sem competir pelo mercado.
A Petrobras é dona também das unidades que tratam o gás antes de ser injetada na rede e dos terminais de importação do produto por parte dos navios. E a que ocupa a maior parte da capacidade dos grandes gasodutos que transportam o combustível no país.
“A gente entende que o aumento da concorrência, é que vai trazer a um preço mais competitivo”, diz o secretário de Petróleo e Gás do MME (Ministério de Minas e Energia), Marcio Félix, disse que há uma forte alinhamento do governo em torno das propostas.
De acordo com dados do MME, a indústria brasileira paga para o gás de, pelo menos, US$ 13 por metro cúbico –mais de quatro vezes o gasto de concorrentes nos Estados Unidos, onde o produto custa pouco mais de US$ 3. Em comparação com a Europa, a indústria brasileira paga 50% mais caro, em 2018.
A promessa de melhores condições para competir com o mercado tem atraído as principais entidades empresariais brasileiras. Em entrevistas sobre o tema, Guedes tem repetido que o gás barato e abundante, tem o potencial de “reindustrializar” do país.
O preço da energia tem um forte impacto sobre o custo das operações das empresas e sobre a produtividade de toda a economia. No Brasil, este insumo teve uma forte alta nos últimos anos, servindo de força contrária à expansão industrial.
A Abrace (que reúne grandes consumidores de energia) chegou a encomendar um estudo para medir os impactos da proposta do governo.
De acordo com a análise produzida pela consultoria Ex-Ante para a entidade, entre 2000 e 2018, a inflação oficial no Brasil, medida pelo IPCA, teve alta de 209%.
Nesses 18 anos, o custo unitário da energia elétrica para a indústria cresceu 497,4% acima da inflação. O custo do gás da unidade teve um crescimento mais impressionante ainda: aumento real de 1.200%.
A conversão do valor em moeda estrangeira, que permite a comparação internacional, mostra o impacto sobre a competitividade.
Em dólar, o custo unitário da energia elétrica no Brasil para a indústria teve um aumento de 304%. No mesmo período, o aumento foi de 52% nos Estados Unidos e 40% na União Europeia.
“Este movimento liderado pelos ministros Paulo Guedes [Economia] e Bento Albuquerque [Minas e Energia] é a agenda positiva que precisamos”, diz Paulo Pedrosa, presidente da Abrace.
“A indústria perdeu espaço na economia brasileira, e o Brasil perdeu espaço na economia global. Há convicção no mundo da indústria de que a queda no preço da energia, com maior oferta de gás, pode contribuir para reverter isso e atrair novos investimentos.”
A CNI (Confederação Nacional da Indústria) diz que os setores mais beneficiados seriam química, fertilizantes, vidro, cerâmica e metalurgia. “Mas, de modo geral, os setores que utilizam gás na cogeração e o próprio setor elétrico seriam beneficiados”, afirma Roberto Wagner, especialista em energia da CNI.
“Caindo o preço, a indústria vai reagir”, reconhece o presidente da Abiquim (Associação Brasileira da Indústria Química), Fernando Figueiredo. O setor se queixa de que os altos custos minaram a competitividade dos produtores nacionais, que perdem terreno para importados.
Figueiredo diz que o gás do pré-sal é rico em etano e, com preços competitivos, você pode abrir a oportunidade para a construção de dois complexos petroquímicos de Camaçari (BA), que tem a capacidade de produzir 12 milhões de toneladas por ano de produtos químicos.
A proposta do governo, no entanto, enfrenta resistências na própria Petrobras e entre distribuidoras estaduais de gás canalizado, responsáveis por conectar indústrias e residências à rede.
Na empresa, há dúvidas sobre os impactos de uma venda forçada ou de abertura dos ativos, a capacidade de recuperar os investimentos feitos em infra-estrutura de transporte de gás. Guedes afirma ter o apoio do presidente da Petrobras, Roberto castello Branco.
Nos estados, dentro das negociações de ajuda financeira, o ministro da Economia pede apoio para as mudanças nas regras para promover uma maior concorrência pelos clientes das distribuidoras de gás canalizado.
A Constituição outorga aos estados o monopólio da distribuição de gás. Exclusão de Rio e São Paulo (onde se digitaujeron privatizações), os governos estaduais controlam a maioria das 26 distribuidoras -19 delas ainda têm uma parceria com a Petrobras e a japonesa Mitsui.
Assim como ocorre no setor elétrico, o governo quer incentivar a figura do consumidor livre de gás, o que permite que grandes empresas decidam onde comprar.
As empresas temem que haja uma perda de renda em caso de que tais clientes optam por deixar suas redes.
Associação que reúne as empresas do setor, a Abegás afirma que a figura do consumidor livre já está regulamentada no Rio de janeiro e em São Paulo, mas nenhuma empresa ainda tenha optado por comprar diretamente do produtor.
O presidente da entidade, Augusto Salomon, defende que o principal problema é a falta de concorrência na oferta do combustível e que, à margem das distribuidoras, que representa 18% do preço final, “não é o vilão da história”.